A Sociedade Brasileira de Genética Médica e o processo de elaboração da Política para Atenção às Pessoas com Doenças Raras no Âmbito do SUS

Histórico

Desde 1988, o sistema de saúde foi unificado no país, tornando-se o Sistema Único de Saúde (SUS) universal e acessível a todos os cidadãos. Com um melhor acesso aos cuidados de saúde e controle parcial das doenças relacionadas com a pobreza, o fardo dos defeitos congênitos aumentou progressivamente, passando da quinta para a segunda principal causa de mortalidade infantil entre 1980 e 2000, destacando a necessidade de estratégias específicas de políticas de saúde. Ações dispersas governamentais relacionadas aos defeitos congênitos/doenças genéticas no Brasil já vinham ocorrendo no inicio dos anos 2000 e incluíam a triagem neonatal, imunização contra rubéola, fortificação de farinha com ácido fólico e programas de tratamento para Osteogênese Imperfeita, Doença de Gaucher e Fibrose Cística.

Apesar da estreita relação entre a genética medica e manejo dos defeitos congênitos/doenças genéticas, em 2003 menos de 30% da demanda total era atendida pelos serviços existentes de genética medica, devido ao difícil acesso a serviços especializados, concentração dos serviços em poucas regiões e insuficiência de recursos ou suporte laboratorial. A maioria dos serviços não estavam integrados ao SUS e a falta de reconhecimento da genética médica como especialidade no sistema de saúde vinha impedindo seu crescimento.
Após o grande impacto dos novos avanços da ciência na área da genética e do sequenciamento do genoma humano, houve uma preocupação do Ministério da Saúde, através de seu departamento de ciência e tecnologia em regulamentar o uso e acesso ao genoma humano, sendo criado um grupo de trabalho em 2001. A época, mostrou-se que o Brasil sequer estava preparado para a assistência as malformações congênitas/doenças genéticas, sendo isso reconhecido pelo grupo e recomendada abordagem específica. Em 2004, foi criado pelo Ministério da Saúde um grupo de trabalho para elaborar uma política nacional especial para a genética clínica; Em 2009 essa política foi publicada pelo ministro da saúde, mas nunca de fato implementada, uma vez que nem a dinâmica operacional nem os mecanismos de financiamento chegaram a ser previstos em textos complementares.

Caminhando para a Política para Atenção às Doenças Raras (DR) no Âmbito do SUS

A política de Genética Clínica nunca foi posta em prática. Em 2012, após pressão significativa de grupos de usuários, foi finalmente instituído um novo grupo de trabalho para elaborar uma política nacional para atenção a doenças raras no SUS. O conceito de doença rara é complexo e baseia-se principalmente na prevalência da doença. O conceito da Organização Mundial da Saúde é que seriam aquelas com uma prevalência inferior a 65:100.000 (1,3:200) habitantes. Aproximadamente 80% das doenças raras são genéticas.
O Grupo de Trabalho (GT) foi composto por representantes do Ministério da Saúde, por especialistas em doenças raras e por associações ligadas às doenças raras; dentre os participantes, tanto indicados pelo ministério quanto por associações, havia alguns médicos geneticistas membros da SBGM. O processo de elaboração passou por todas as etapas, incluindo consulta publica, e o texto da politica foi finalmente publicado em inicio de 2014 (Portaria GM/MS no. 199 de 30/01/2014).

Detalhamento sobre a Politica das Raras

Para efeitos de organização e credenciamento de serviços, apolítica foi dividida em “raras de origem genética” e “raras não genéticas”. Desta forma, foram elencados dois eixos de DR, sendo o primeiro composto por DR de origem genética: 1- Anomalias Congênitas ou de Manifestação Tardia, 2- Deficiência Intelectual, 3- Erros inatos do Metabolismo; e o segundo formado por DR de origem não genética. O eixo das anomalias congênitas inclui toda a anomalia funcional ou estrutural do desenvolvimento do feto, decorrente de fator originado antes do nascimento, seja genético, ambiental ou desconhecido, mesmo quando os defeitos não forem aparentes no recém-nascido e só se manifeste mais tarde (OPAS, 1984). Para o eixo II – Doenças Raras de Natureza não Genética – foram propostos os seguintes grupos de causas: 1- Infecciosas, 2- Inflamatórias, 3- Autoimunes, e 4– Outras Doenças Raras de origem não Genética .
A organização da atenção deve seguir a lógica de cuidados já vigente no SUS, produzindo saúde de forma sistêmica, por meio de processos dinâmicos voltados ao fluxo de assistência ao usuário. A assistência ao usuário deve ser centrada em seu campo de necessidades, vistas de forma ampla. No que se refere à atenção especializada em doença rara, serão credenciados Serviços de Atenção Especializada e Serviços de Referência em Doenças Raras como componentes estruturantes complementares à Rede de Atenção à Saúde. A atenção aos familiares e pacientes com DR deverá garantir:

a) Estruturação da atenção de forma integrada e coordenada em todos os níveis, desde a prevenção, acolhimento, diagnóstico, tratamento (baseado em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas), apoio até a resolução, seguimento e reabilitação.
b) Acesso a recursos diagnósticos e terapêuticos;
c) Acesso à informação e ao cuidado;
d) Aconselhamento Genético (AG), quando indicado.

No que diz respeito a remuneração dos serviços, dependendo do tipo de credenciamento (serviço de atenção especializada ou serviço de referencia) haverá um repasse mensal visando suporte para manutenção de equipe multidisciplinar. Quanto aos exames necessários para investigação/diagnóstico de doenças raras, vários novos testes não antes disponíveis no SUS serão incorporados, incluindo investigações metabólicas, FISH, exames moleculares e array-CGH. Os serviços credenciados, no entanto, não serão remunerados pelos testes específicos, e sim através de um valor fixo por novo paciente atendido, devendo cada serviço organizar o fluxo de investigação, bem como estabelecer parcerias para execução de exames se necessário. A politica prioriza a atenção integral, focada no paciente/família e na equipe especializada. Neste sentido, o aconselhamento genético entra como importante componente da politica, havendo também um código especifico de procedimento/remuneração prevista para os serviços que sejam credenciadas na linha das DR genéticas, que deverão disponibilizar o aconselhamento genético.

Conclusões e Expectativas

A colocação em prática da politica de DR dependerá das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, que são os agentes do SUS. Por outro lado, cabe ao Ministério da Saúde referendar e credenciar os serviços especializados, além de fazer propostas de pacotes de atenção diferenciada para aqueles que aderirem à política, para torná-la mais atraente.
Até o momento pouquíssimos serviços foram credenciados. A portaria foi publicada em inicio de 2014, e os credenciamentos iniciais ocorreram apenas em fins de 2016. Espera-se que a partir de agora, com serviços referendados e remunerados de acordo com as diretrizes da politica, evoluamos para uma modificação na atenção as doenças raras, e que seja um movimento crescente, com incorporação de novos serviços. Vale também lembrar que para as poucas doenças raras com terapias especificas disponíveis, as mesmas terão que ser regulamentadas através de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Especialistas da SBGM vem participando ativamente do processo de elaboração de alguns PCDT, que facilitarão o acesso sobretudo a terapias de alto custo de modo mais racional, evitando a judicialização e o desperdício de recursos.
Uma política oficial para as doenças raras, com a incorporação de procedimentos laboratoriais específicos e do aconselhamento genético significa o reconhecimento da importância da genética médica para o cuidado e prevenção de defeitos congênitos, o reembolso de procedimentos, o uso racional dos recursos e uma maior cobertura. Isso posto, estimulada por tal política, a organização de uma rede funcional integrada em genética não apenas utilizará os serviços já existentes como espinha dorsal, mas também estimulará a criação de novos serviços em todo o país. Ações visando prevenção de doenças raras, educação para a comunidade médica e para a população em geral e a organização de bases de dados epidemiológicos sólidos são fortemente recomendados como medidas complementares.

Fonte: Sociedade Brasileira de Genética Médica.

O papel do médico geneticista no CEFIL

As anomalias craniofaciais representam um grande conjunto de condições clínicas, dentre as quais se destacam as fissuras labiopalatinas. Sabe-se que um em cada 600 a 1000 bebês pode nascer com uma fenda oral, seja apenas no lábio, apenas no palato, ou no lábio e no palato.

Essa malformação congênita pode ocorrer isoladamente, sendo chamada fenda não-sindrômica, ou em conjunto com malformações em outras partes do corpo, chamada fenda sindrômica. Atualmente, são conhecidas mais de 300 síndromes em que a fenda oral é uma das anormalidades primárias.

As fendas orais podem ser causadas por fatores genéticos (genes ou cromossomos), teratógenos (por exemplo, consumo de álcool, uso de anticonvulsivantes, alguns antibióticos e antifúngicos durante a gestação) ou pela interação entre vários genes e fatores não genéticos (deficiências nutricionais, tabagismo, alterações metabólicas durante a gestação) compondo o que se conhece como mecanismo multifatorial. Este último é o responsável pela grande maioria dos casos de fendas não-sindrômicas, enquanto genes, cromossomos e teratógenos, respondem pelos casos de fendas sindrômicas. Por isso, quando uma criança nasce com fenda oral, é essencial que ela seja avaliada por um médico geneticista, para que o diagnóstico seja esclarecido.

Além disso, o médico geneticista irá atuar na prevenção de malformações congênitas através do aconselhamento genético, seja informando sobre os riscos de recorrência da malformação para famílias em que já existam pessoas com a condição, seja orientando casais para que evitem situações de risco.

Ana Carolina Esposito – Médica Geneticista

Coral Smile Train

A iniciativa, que tem como objetivo unir a música ao tratamento fonoaudiológico para melhorar a fala de pacientes com fenda labiopalatal, acontece no Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto, na Ilha do Governador. É uma forma lúdica de tratamento, com vários pacientes inscritos, todos com mais de oito anos de idade. Participam com eles suas mães, que dão mais um tom às aulas da professora Márcia Guapyassu, auxiliada pela fonoaudióloga Maria Célia Rendeiro.

O Coral da Smile Train/Saúde Criança Ilha já realizou várias apresentações. A primeira foi na abertura do V Congresso Brasileiro de Fissuras Lábio Palatinas, que aconteceu no dia 27 de setembro de 2013, no Hotel Atlântico Business, no Centro do Rio de Janeiro.

Uma das vozes mais surpreendentes do Coral é a de Bruna Silva Pereira, fonoaudióloga de 30 anos que chegou ao Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto aos dois meses de idade com fissura lábio palatina. Depois de duas cirurgias e de um tratamento rigoroso, sua voz surpreende quem descobre que algum dia Bruna foi diagnosticada com fissura. O sucesso do tratamento fonoaudiólogo inspirou Bruna a se graduar em fonoaudiologia, para poder ajudar aqueles que sofrem com as mesmas dificuldades que ela já viveu.

Veja o vídeo abaixo ou clique no link e veja o vídeo desse coral inspirador no YouTube!

A emocionante história que mostra a sensibilidade que devemos ter ao lidar com o autismo!

Timothy é um amável garoto. Mas a sua rotina não é fácil, já que ele sofre de autismo. Sua mãe tem que se desdobrar para cuidar do filho que além de precisar comparecer a várias consultas médicas, tem outras necessidades especiais. Festas de aniversário, por exemplo, são complicadas, pois o excesso de animação das várias crianças presentes pode ser muito estressante para o garoto. Mas um dia, uma carta especial chegou na caixa de correio da família de Timothy. Essas tocantes palavras comoveram a mãe de Timothy quando ela as leu. Foi assim que ela respondeu:

“Querida mãe (incrível),

Você não me conhece e eu não te conheço, mas meu filho, Timothy, às vezes senta do lado do seu filho na escola.

Timothy sofre de autismo grave. Ele também é um garoto de 7 anos que ama e brinca com todo seu coração. Ele precisa de muita ajuda extra na escola e às vezes parece totalmente alheio ao que está acontecendo embaixo do seu nariz.

Ele quer amigos mas às vezes não sabe como fazê-los.

Ele quer brincar mas às vezes não sabe como pedir. 

Ele quer ser incluído mas às vezes não sabe como.

Nós, pais de crianças com necessidades especiais, sabemos muito bem o quão machucados nossos filhos se sentem quando são deixados de fora de eventos sociais.

Esportes, encontros, dormir nas casas dos amigos e, sim, as apavorantes festas de aniversário.

Eu posso dizer sinceramente que meu filho nunca compareceu a nenhuma sequer. Nós recebemos inúmeros convites nos últimos anos, mas na maioria das vezes por crianças que convidam a sala inteira impiedosamente. Não me entendam errado, eu estou agradecida.

Mas eu me pergunto se os pais sabem o que aconteceria se eu trouxesse o Timothy? As interrupções, os desastres. Como eu odiaria tirar os holofotes da criança aniversariante.

Então nós recusamos educadamente. Todos.

Até que seu convite chegou pelo correio com uma nota especial. Nela estava escrito:

“O Carter senta ao lado do Timothy na escola e sempre fala dele. Eu realmente espero que ele possa vir. Nós vamos alugar um castelo inflável no qual pode ser acoplado um pequeno escorregador. Nós também teremos balões e armas d’água. Talvez o Timothy possa vir um pouco mais cedo caso a classe inteira seja demais para ele. Me avise como podemos fazer isso funcionar.”

Você escreveu exatamente o que eu precisava ver naquele dia e nem mesmo sabia.

Por causa do seu filho ele está incluído.

Por causa do seu filho ele se sente querido. Por causa do seu filho ele tem uma voz.

E eu quero que você saiba que por sua causa eu posso enfrentar mais um dia.

Por causa de você eu posso enfrentar outro compromisso.

Por causa de você eu posso aguentar mais olhares e perguntas.

Por causa de você eu tenho esperança pelo futuro de Timothy.

Eu apenas queria te dizer o trabalho fantástico que você está fazendo com seu filho.

Esta mãe estará confirmando a presença do filho pela primeira vez na história. E eu mal posso esperar.

Sinceramente,

A muito agradecida mãe de Timothy.”

Texto retirado de Blogspot/The Book of Timothy

Efeito Jolie no câncer de mama

Aos 37 anos Angelina Jolie soube que teria 87% de risco de desenvolver câncer de mama, pois havia herdado uma mutação genética de sua mãe. Jolie explicou que sua mãe faleceu aos 56 anos após lutar contra um câncer de mama por quase uma década, conforme notícia publicada pela rede BBC News em 14 de maio de 2013.

A maioria dos cânceres de mama não é causada por genes herdados. Estima-se que de 5% a 10% desses cânceres sejam causados por mutações chamadas germinativas, ou seja, mutações em que há um risco de ser transmitida para os descendentes. Entre 60% e 80% dessas mutações encontradas em pacientes com cânceres de mama e ovário ocorrem nos genes supressores de tumor BRCA1 e BRCA2. Os portadores da mutação em BRCA1 têm um risco cumulativo aumentado de desenvolver câncer de mama e ovário.

Outros tumores associados a mutações em BRCA1 são o câncer de trompa de falópio, câncer de próstata e tumor de Wilms. Em relação ao gene BRCA2, observa-se um maior risco para câncer de mama em homens, câncer de próstata, pâncreas, estômago, vias biliares e melanoma, além de mama e ovário.

Para mulheres como Angelina Jolie é importante que elas tenham pleno conhecimento de todas as opções que estão disponíveis, desde os testes genéticos que permitem identificar a presença da mutação até os procedimentos a serem realizados após o resultado. Esses cuidados podem ser desde um rastreamento adicional para câncer de mama até a mastectomia bilateral profilática.

Estudos retrospectivos e prospectivos demonstraram que a mastectomia bilateral profilática é a intervenção de maior redução do risco de câncer de mama em mulheres com mutações em BRCA1 e BRCA2. Já a salpingo-ooforectomia (retirada de ovários e trompas) bilateral pode reduzir o risco em até 90%.

Para maiores esclarecimentos sobre o câncer familial procure um médico geneticista!

Referências:

EASTON, D.F.; FORD, D.; BISHOP, D.T. Breast and ovarian cancer incidence in BRCA1 mutation – Consortion. American Journal of Human Genetics, vol. 56, p.265-271, 1995.

HODGSON, S.V.; FOULKES, W.D.; ENG, C.; MAHER, E. A Practical Guide to Human Cancer Genetics, New York: Cambridge University Press, 2007.

MIKI, Y.; SWENSEN, J.; SHATTUCK-EIDENS, D.; FUTREAL, P.A.; HARSHMAN, K.; TAVTIGIAN, S.; LIU, Q.; COCHRAN, C.; BENNET, L.M.; DING, W. A strong candidate for the breast and ovarian cancer susceptibility gene BRCA1. Science, vol. 266, p.66-71, 1994.

OFFIT, K. The common hereditary cancers. In: Clinical Cancer Genetics: Risk Counseling and Management. New York: Wiley-Liss, 1998.

SCOTT, C.L.; JENKINS, M.A.; SOUTHEY, M.C.; DAVIS, T.A.; LEARY, J.A.; EASTON, D.F.; PHILLIPS, K.A.; HOPPER, J.L. Average age-specific cumulative risk of breast cancer according to type germline mutations in BRCA1 and BRCA2 estimated from multiple case breast cancer families attending Australian family cancer clinics. Human Genetics, vol. 112, p.542-551, 2003.

THE BREAST CANCER LINKAGE CONSORTIUM. Cancer risks in BRCA2 mutation carriers. Journal of the National Cancer Institute, vol. 91, p.1310-1316, 1999.

THOMPSON, D. e EASTON, D.F. Cancer Incidence in BRCA1 mutation carriers. Journal of the National Cancer Institute, vol. 94, p.1358-1365, 2002.

Prevalência dos Tipos de Fissuras em Pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Fissuras Labiopalatais (CEFIL) do Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto no Rio de Janeiro

As fissuras labiopalatais representam a anomalia congênita mais frequente na face, e as múltiplas alterações anatômicas envolvidas despertam interesse científico e enfoque terapêutico multidisciplinar1.

Essas malformações acometem o terço médio da face, sendo ocasionadas pela não fusão dos processos nasais e maxilares, durante a sexta e a décima semana de vida intrauterina2.

Com relação à etiologia, fatores genéticos e ou ambientais podem estar envolvidos. A grande maioria dos casos (70%) é atribuída a fatores ambientais que atingem a mãe no primeiro trimestre da gestação. Esses casos portanto são passíveis de prevenção. Os mais comuns são: anemia e nutrição deficiente, uso de drogas, cigarro, alguns medicamentos e bebidas alcoólicas. Nos outros 30% dos casos, as deformidades são devidas à transmissão genética. Na presença de uma predisposição genética, fatores ambientais podem precipitar o surgimento da patologia.

As fissuras labiais ou labiopalatais são etiologicamente distintas das fissuras palatais isoladas, sendo essas mais frequentemente associadas a quadros sindrômicos do que as primeiras.

Estudos epidemiológicos têm sido realizados em todo o mundo, e têm mostrado que a prevalência de fissuras labiopalatais varia muito em relação aos países, sendo de apenas 1,07%, no Japão, e de 4,3%, em Taiwan3,4. No Brasil, estudos recentes apontam que a sua ocorrência seja de uma para cada 650 indivíduos nascidos vivos.

Como o diagnóstico pode ser feito através do exame de ultrassonografia morfológica, é de extrema importância o encaminhamento da gestante para os Centros de Tratamento especializados, para que possam receber a orientação precoce sobre a patologia e o tratamento.

O CEFIL – Centro de Tratamento de Fissuras Labiopalatais, é um serviço do Hospital Nossa Senhora do Loreto, que foi criado oficialmente no ano de 1985 e credenciado pelo Ministério da Saúde em Dezembro de 2000 para o atendimento da alta complexidade.

É composto por uma equipe multidisciplinar, especializada no tratamento das fendas labiopalatais e suas implicações estéticas, funcionais e psicológicas. A equipe é composta por profissionais de várias especialidades, sendo o tripé fundamental para o tratamento as clínicas de cirurgia-plástica, odontologia e fonoaudiologia. Conta ainda com várias outras especialidades e serviços, que dão suporte no atendimento ao portador de fenda: Pediatria, Genética médica, Nutrição, Terapia ocupacional, Fisioterapia, Terapia Alternativa, Dermatologia, Hematologia, Saúde Mental (Psicologia), Anestesiologia, Cirurgia Pediátrica, Otorrinolaringologia, Cardiologia, Audiologia, Enfermagem e Serviço Social.

A criança portadora de fenda labiopalatal apresenta logo ao nascimento pequenas diferenciações em seu trato, que exigem orientação especializada aos pais e à equipe médica.

Logo ao nascimento, e após o diagnóstico positivo de fenda, o aleitamento materno deve ser estimulado no Hospital de origem, antes de se proceder a sondagem. Caso não seja possível, o indicado é coletar o leite materno e oferecê-lo em mamadeira com o paciente na posição vertical, evitando assim regurgitações e aspirações.

Se a sucção nutritiva não puder ser estabelecida, deverá ser então introduzida a sonda para as primeiras alimentações e estimulada a sucção não nutritiva. A partir de então, deverá ser encaminhado ao CEFIL para os procedimentos específicos.

Todos os bebês recém–natos deverão vir acompanhados de enfermagem e médico pediatra.

Um estudo retrospectivo foi realizado para identificar todos os pacientes com diagnóstico de fissura labial, palatal ou labiopalatal que foram atendidos pela primeira vez no CEFIL no período de julho de 2008 a janeiro de 2012.

As variáveis estudadas foram a idade do paciente na primeira consulta, sexo, tipo de fissura, história familiar de fissura e parentesco, intercorrências durante o primeiro trimestre de gestação, o uso de álcool, drogas, fumo, anemia, vômitos, perda de peso, vacinação para rubéola, uso de medicamentos, idade da mãe ao engravidar, patologias da mãe, realização de pré-natal e prematuridade.

Uma amostra de 526 crianças foi selecionada e as deformidades foram categorizadas baseando-se na classificação de Spina, tendo como ponto de referência o forame incisivo.

O resultado do estudo determinou que a fissura palatal isolada ocorre em 40,3% dos casos. As fissuras labiais isoladas encontradas em 23,8% dos casos, sendo unilateral em 19,4%, bilateral 3% e mediana em 0,8%. As fissuras labiopalatais corresponderam a 35,9%, sendo bilateral em 10,9% dos casos e unilateral em 25%.

A prevalência da fissura palatal isolada por sexo foi de 44% de homens e 56% de mulheres. A fissura labial apresentou 54% de homens e 46% de mulheres. E a fissura labiopalatal 62% de homens e 38% de mulheres.

Variáveis com ocorrência no primeiro trimestre da gestação apresentaram a seguinte prevalência: vômitos presente em 41% dos casos, anemia em 38%, uso de drogas em 4,8%, álcool em 23%, remédios 5%, tentativa de aborto 3,5%, vacinação para rubéola 11%, fumo em 15,7% e perda de peso em 31% dos casos.

Antecedentes familiares de fissura labiopalatal presentes em 27% das fissuras, sendo 32% nas fissuras labiopalatais, 24% na palatal e 22% na labial, o parentesco materno presente em 40,3%, paterno em 42,4% e em ambos 17,4%.

As patologias associadas aos pacientes fissurados estiveram presentes em 16% dos casos, sendo que na fissura palatal isolada 23%, labial 12% e labiopalatal 11%.

Prematuridade presente em 13% dos casos. Doenças da mãe em 21%, problemas gestacionais 32%. Pré-natal realizado em 97% dos casos.

A idade do paciente na primeira consulta no CEFIL foi em 77% dos casos inferior a 6 meses, de 6 meses a 1 ano 8%, entre 1 e 5 anos foi de 4,4%, entre 5 a 15 de 7,5%e maiores de 15 anos 2%.

A idade da mãe variou de 10 a 43 anos, sendo que menores de 15 anos representaram 5,6%, de 15 a 20 anos 19,3%, de 20 a 35 anos 64,6% e maiores de 35 anos 10,5%.

Os achados servem como parâmetro para levantar questões sobre como estão sendo tratados os referidos fissurados, bem como mensurar uma realidade local. Os resultados encontrados foram de acordo com a literatura mundial que considera que fatores genéticos e ambientais estejam envolvidos na gênese da fissura e corroboram que as fissuras labiopalatais e labiais são entidades distintas das fissuras palatais.

Participaram também como autores:

  • Cruz, Ana Cláudia (Ortodontista – Coordenadora do CEFIL – HMNSLoreto);
  • Esposito, Ana Carolina (Médica Geneticista – HMNSLoreto);
  • Rechia, Giancarlo (Cirurgião plástico);
  • Zanini, Luiz Sérgio (C. Plástico – Chefe da C. Plástica – HMNS Loreto).

Fonte: Site da Soperj

REFERÊNCIAS

  1. Mélega, JM. Cirurgia Plástica Fundamentos e Arte – Cirurgia Reparadora de Cabeça e Pescoço, 1 ed, São Paulo: MEDSI,2002.
  2. Carreirão S, Lessa S, Zanini AS. Embriologia da face. In: Tratamento das fissuras labiopalatais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 1996. p.1-12.
  3. Souza JMP, Buchalla CM, Laurenti R. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em maternidades. III. Anomalias congênitas em nascidos vivos. Rev Saúde Pública. 1987;21:5-12.
  4. Nagem Filho H, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o estudo da prevalência das más formações congênitas labiopalatais na população escolar de Bauru. Rev Fac Odontol São Paulo. 1968;6:111-28.

Vale a pena armazenar sangue do cordão umbilical?

Nos últimos anos, o sangue do cordão umbilical tem sido utilizado com sucesso para tratar uma variedade de doenças genéticas na faixa pediátrica, doenças hematológicas e oncológicas. Esse avanço resultou tanto em bancos de cordão com fins lucrativos quanto sem fins lucrativos. Os bancos com fins lucrativos divulgam seus serviços amplamente, encorajando os futuros pais a armazenar o sangue do cordão de seus filhos como um “seguro biológico”, em troca de um pagamento anual. Entretanto, segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP), não há nenhuma forte evidência para recomendar armazenamento de rotina de sangue do cordão para uso futuro de uma criança. Por outro lado, a doação filantrópica de sangue do cordão umbilical para bancos públicos visando certos tipos de transplante deve ser incentivada.

Dada a dificuldade de estimar a necessidade de usar células do próprio sangue do cordão para o transplante, o armazenamento privado de sangue de cordão umbilical como “seguro biológico” é imprudente. No entanto, o armazenamento deve ser considerado se houver um membro da família com uma necessidade, atual ou potencial, de se submeter a um transplante de células-tronco. Condições tais como leucemia ou hemoglobinopatias graves podem indicar a necessidade de armazenamento de cordão para transplante entre irmãos.

As alegações usadas no material de marketing de bancos de cordão umbilical são extremamente enganosas. Sangue do cordão umbilical pode apenas raramente ser utilizado pela criança de quem foi obtida. A maioria das doenças tratadas através de transplante de medula óssea ou de células tronco exige células-tronco de outro indivíduo normal (um transplante alogênico). Este é provavelmente o caso de qualquer doença que tenha uma base genética, como deficiências do sistema imune, doença falciforme e talassemia, doenças genéticas metabólicas ou aplasia da medula óssea (anemia aplástica), que não são devidas a causa ambiental.

Não existem estimativas precisas do risco de as crianças a precisar as suas próprias armazenadas cordão de células estaminais do sangue no futuro. A variação das estimativas disponíveis é de 1 em 1000 a 1 em mais de 200.000. O potencial para as crianças que necessitam de suas próprias células tronco do sangue de cordão para um futuro transplante autólogo é controverso. Também não existe evidência de segurança ou eficácia do transplante autólogo de células tronco de sangue do cordão umbilical para neoplasias, na verdade, há provas que demonstram a presença de mutações de DNA no sangue do cordão umbilical obtido a partir de crianças que posteriormente desenvolvem leucemia. Assim, um transplante de medula autóloga de sangue pode ser contra-indicada no tratamento de uma criança que desenvolve leucemia.

É discutível se as células-tronco do cordão umbilical, armazenadas ao nascimento, seriam úteis para uma criança precisando de um transplante por leucemia mais tarde na vida. Até o momento, o uso de células-tronco próprias de um paciente em transplantes para leucemia (transplante autólogo) não se comprovou melhor que a terapia convencional em estudos pediátricos.

A criança pode ser capaz de usar células-tronco de seu próprio do cordão umbilical se, no futuro, desenvolver um tumor maligno sólido como um linfoma ou sarcoma, que não se espalhou para a medula óssea. No entanto, as células-tronco podem ser coletadas do sangue periférico no momento em questão, e serem utilizadas com sucesso no transplante, ao invés de células do cordão umbilical. Assim, conservar células-tronco do cordão umbilical para este fim não se justifica.

Com base na incidência de várias doenças, pode-se estimar quais os riscos de uma criança desenvolver uma doença que possa precisar de tratamento por transplante de células-tronco. Este risco não é um em dez, como alegam algumas propagandas, mas menos que um em cada 300. Assim, para cada 200 mil bebês nascem a cada ano, cerca de 600 teriam de enfrentar o risco de desenvolver um câncer ou outra doença potencialmente fatal que poderiam, eventualmente, necessitar de tratamento por transplante de células-tronco. Dois terços destes pacientes, no entanto, seriam curados com a terapia convencional e não necessitariam de transplante. Dos restantes 200 pacientes que poderiam necessitar de um transplante, 66 por cento só se beneficiariam de um transplante alogênico, e cerca de 70 pacientes poderiam se beneficiar de um transplante autólogo. Assim, no máximo, apenas 0,04 por cento das unidades de sangue de cordão armazenadas para uso exclusivo do bebê poderão realmente ser usadas – e isso muito provavelmente está ainda sendo superestimado.

Alternativamente, se os cordões fossem armazenados para a utilização por qualquer criança que precisasse de um transplante de células-tronco, a possibilidade de que essas células sejam usadas de forma produtiva é muito maior. Pode-se fazer uma comparação com as práticas atuais de armazenamento em bancos de sangue. Se os bancos de sangue fossem para armazenar sangue apenas para o uso exclusivo do doador ou da família do doador, as transfusões de sangue conforme conhecemos e usamos, com seu enorme potencial para salvar vidas, já não estaria disponível e eficaz, com consequências obviamente catastróficas para muitos pacientes. Idealmente, se o impacto do transplante de células-tronco de cordão confirmar-se como estratégia importante, os atuais bancos de cordão públicos (não visando o lucro) seriam o local ideal para depositar as células, assim como ocorre com sangue e hemoderivados.

Atualmente, existem apenas duas indicações precisas para armazenar sangue de cordão umbilical para uso exclusivo de uma família:

  1. Se a família tem um filho que sofre de uma doença e pode ser necessário transplante de células tronco;
  2. Se ambos os pais são portadores de genes que determinam alguma doença potencialmente letal e que poderia ser tratada por transplante de células-tronco, mesmo que ainda não tenham tido um filho afetado. Nestes casos, os planos podem ser feitos com antecedência, para armazenar o sangue do cordão umbilical, e que sejam feitas a tipagem e testes pertinentes, para utilização posterior se necessário.

A divulgação e propaganda maciça sobre bancos de sangue de cordão umbilical que visam o lucro e que oferecem armazenamento exclusivo para a família, tentando convencer os pais que eles podem ajudar seus filhos, comprando um “seguro biológico” podem ser traduzidas pelas seguintes palavras: NÃO FAZ O MENOR SENTIDO.

REFERÊNCIAS

  1. Children as Hematopoietic Stem Cell Donors – Policy statement / committee on bioethics. PEDIATRICS Vol. 125 No. 2 February 1, 2010 pp. 392 -404 doi: 10.1542/peds.2009-3078)
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