Prevalência dos Tipos de Fissuras em Pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Fissuras Labiopalatais (CEFIL) do Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto no Rio de Janeiro

As fissuras labiopalatais representam a anomalia congênita mais frequente na face, e as múltiplas alterações anatômicas envolvidas despertam interesse científico e enfoque terapêutico multidisciplinar1.

Essas malformações acometem o terço médio da face, sendo ocasionadas pela não fusão dos processos nasais e maxilares, durante a sexta e a décima semana de vida intrauterina2.

Com relação à etiologia, fatores genéticos e ou ambientais podem estar envolvidos. A grande maioria dos casos (70%) é atribuída a fatores ambientais que atingem a mãe no primeiro trimestre da gestação. Esses casos portanto são passíveis de prevenção. Os mais comuns são: anemia e nutrição deficiente, uso de drogas, cigarro, alguns medicamentos e bebidas alcoólicas. Nos outros 30% dos casos, as deformidades são devidas à transmissão genética. Na presença de uma predisposição genética, fatores ambientais podem precipitar o surgimento da patologia.

As fissuras labiais ou labiopalatais são etiologicamente distintas das fissuras palatais isoladas, sendo essas mais frequentemente associadas a quadros sindrômicos do que as primeiras.

Estudos epidemiológicos têm sido realizados em todo o mundo, e têm mostrado que a prevalência de fissuras labiopalatais varia muito em relação aos países, sendo de apenas 1,07%, no Japão, e de 4,3%, em Taiwan3,4. No Brasil, estudos recentes apontam que a sua ocorrência seja de uma para cada 650 indivíduos nascidos vivos.

Como o diagnóstico pode ser feito através do exame de ultrassonografia morfológica, é de extrema importância o encaminhamento da gestante para os Centros de Tratamento especializados, para que possam receber a orientação precoce sobre a patologia e o tratamento.

O CEFIL – Centro de Tratamento de Fissuras Labiopalatais, é um serviço do Hospital Nossa Senhora do Loreto, que foi criado oficialmente no ano de 1985 e credenciado pelo Ministério da Saúde em Dezembro de 2000 para o atendimento da alta complexidade.

É composto por uma equipe multidisciplinar, especializada no tratamento das fendas labiopalatais e suas implicações estéticas, funcionais e psicológicas. A equipe é composta por profissionais de várias especialidades, sendo o tripé fundamental para o tratamento as clínicas de cirurgia-plástica, odontologia e fonoaudiologia. Conta ainda com várias outras especialidades e serviços, que dão suporte no atendimento ao portador de fenda: Pediatria, Genética médica, Nutrição, Terapia ocupacional, Fisioterapia, Terapia Alternativa, Dermatologia, Hematologia, Saúde Mental (Psicologia), Anestesiologia, Cirurgia Pediátrica, Otorrinolaringologia, Cardiologia, Audiologia, Enfermagem e Serviço Social.

A criança portadora de fenda labiopalatal apresenta logo ao nascimento pequenas diferenciações em seu trato, que exigem orientação especializada aos pais e à equipe médica.

Logo ao nascimento, e após o diagnóstico positivo de fenda, o aleitamento materno deve ser estimulado no Hospital de origem, antes de se proceder a sondagem. Caso não seja possível, o indicado é coletar o leite materno e oferecê-lo em mamadeira com o paciente na posição vertical, evitando assim regurgitações e aspirações.

Se a sucção nutritiva não puder ser estabelecida, deverá ser então introduzida a sonda para as primeiras alimentações e estimulada a sucção não nutritiva. A partir de então, deverá ser encaminhado ao CEFIL para os procedimentos específicos.

Todos os bebês recém–natos deverão vir acompanhados de enfermagem e médico pediatra.

Um estudo retrospectivo foi realizado para identificar todos os pacientes com diagnóstico de fissura labial, palatal ou labiopalatal que foram atendidos pela primeira vez no CEFIL no período de julho de 2008 a janeiro de 2012.

As variáveis estudadas foram a idade do paciente na primeira consulta, sexo, tipo de fissura, história familiar de fissura e parentesco, intercorrências durante o primeiro trimestre de gestação, o uso de álcool, drogas, fumo, anemia, vômitos, perda de peso, vacinação para rubéola, uso de medicamentos, idade da mãe ao engravidar, patologias da mãe, realização de pré-natal e prematuridade.

Uma amostra de 526 crianças foi selecionada e as deformidades foram categorizadas baseando-se na classificação de Spina, tendo como ponto de referência o forame incisivo.

O resultado do estudo determinou que a fissura palatal isolada ocorre em 40,3% dos casos. As fissuras labiais isoladas encontradas em 23,8% dos casos, sendo unilateral em 19,4%, bilateral 3% e mediana em 0,8%. As fissuras labiopalatais corresponderam a 35,9%, sendo bilateral em 10,9% dos casos e unilateral em 25%.

A prevalência da fissura palatal isolada por sexo foi de 44% de homens e 56% de mulheres. A fissura labial apresentou 54% de homens e 46% de mulheres. E a fissura labiopalatal 62% de homens e 38% de mulheres.

Variáveis com ocorrência no primeiro trimestre da gestação apresentaram a seguinte prevalência: vômitos presente em 41% dos casos, anemia em 38%, uso de drogas em 4,8%, álcool em 23%, remédios 5%, tentativa de aborto 3,5%, vacinação para rubéola 11%, fumo em 15,7% e perda de peso em 31% dos casos.

Antecedentes familiares de fissura labiopalatal presentes em 27% das fissuras, sendo 32% nas fissuras labiopalatais, 24% na palatal e 22% na labial, o parentesco materno presente em 40,3%, paterno em 42,4% e em ambos 17,4%.

As patologias associadas aos pacientes fissurados estiveram presentes em 16% dos casos, sendo que na fissura palatal isolada 23%, labial 12% e labiopalatal 11%.

Prematuridade presente em 13% dos casos. Doenças da mãe em 21%, problemas gestacionais 32%. Pré-natal realizado em 97% dos casos.

A idade do paciente na primeira consulta no CEFIL foi em 77% dos casos inferior a 6 meses, de 6 meses a 1 ano 8%, entre 1 e 5 anos foi de 4,4%, entre 5 a 15 de 7,5%e maiores de 15 anos 2%.

A idade da mãe variou de 10 a 43 anos, sendo que menores de 15 anos representaram 5,6%, de 15 a 20 anos 19,3%, de 20 a 35 anos 64,6% e maiores de 35 anos 10,5%.

Os achados servem como parâmetro para levantar questões sobre como estão sendo tratados os referidos fissurados, bem como mensurar uma realidade local. Os resultados encontrados foram de acordo com a literatura mundial que considera que fatores genéticos e ambientais estejam envolvidos na gênese da fissura e corroboram que as fissuras labiopalatais e labiais são entidades distintas das fissuras palatais.

Participaram também como autores:

  • Cruz, Ana Cláudia (Ortodontista – Coordenadora do CEFIL – HMNSLoreto);
  • Esposito, Ana Carolina (Médica Geneticista – HMNSLoreto);
  • Rechia, Giancarlo (Cirurgião plástico);
  • Zanini, Luiz Sérgio (C. Plástico – Chefe da C. Plástica – HMNS Loreto).

Fonte: Site da Soperj

REFERÊNCIAS

  1. Mélega, JM. Cirurgia Plástica Fundamentos e Arte – Cirurgia Reparadora de Cabeça e Pescoço, 1 ed, São Paulo: MEDSI,2002.
  2. Carreirão S, Lessa S, Zanini AS. Embriologia da face. In: Tratamento das fissuras labiopalatais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 1996. p.1-12.
  3. Souza JMP, Buchalla CM, Laurenti R. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em maternidades. III. Anomalias congênitas em nascidos vivos. Rev Saúde Pública. 1987;21:5-12.
  4. Nagem Filho H, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o estudo da prevalência das más formações congênitas labiopalatais na população escolar de Bauru. Rev Fac Odontol São Paulo. 1968;6:111-28.

Vale a pena armazenar sangue do cordão umbilical?

Nos últimos anos, o sangue do cordão umbilical tem sido utilizado com sucesso para tratar uma variedade de doenças genéticas na faixa pediátrica, doenças hematológicas e oncológicas. Esse avanço resultou tanto em bancos de cordão com fins lucrativos quanto sem fins lucrativos. Os bancos com fins lucrativos divulgam seus serviços amplamente, encorajando os futuros pais a armazenar o sangue do cordão de seus filhos como um “seguro biológico”, em troca de um pagamento anual. Entretanto, segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP), não há nenhuma forte evidência para recomendar armazenamento de rotina de sangue do cordão para uso futuro de uma criança. Por outro lado, a doação filantrópica de sangue do cordão umbilical para bancos públicos visando certos tipos de transplante deve ser incentivada.

Dada a dificuldade de estimar a necessidade de usar células do próprio sangue do cordão para o transplante, o armazenamento privado de sangue de cordão umbilical como “seguro biológico” é imprudente. No entanto, o armazenamento deve ser considerado se houver um membro da família com uma necessidade, atual ou potencial, de se submeter a um transplante de células-tronco. Condições tais como leucemia ou hemoglobinopatias graves podem indicar a necessidade de armazenamento de cordão para transplante entre irmãos.

As alegações usadas no material de marketing de bancos de cordão umbilical são extremamente enganosas. Sangue do cordão umbilical pode apenas raramente ser utilizado pela criança de quem foi obtida. A maioria das doenças tratadas através de transplante de medula óssea ou de células tronco exige células-tronco de outro indivíduo normal (um transplante alogênico). Este é provavelmente o caso de qualquer doença que tenha uma base genética, como deficiências do sistema imune, doença falciforme e talassemia, doenças genéticas metabólicas ou aplasia da medula óssea (anemia aplástica), que não são devidas a causa ambiental.

Não existem estimativas precisas do risco de as crianças a precisar as suas próprias armazenadas cordão de células estaminais do sangue no futuro. A variação das estimativas disponíveis é de 1 em 1000 a 1 em mais de 200.000. O potencial para as crianças que necessitam de suas próprias células tronco do sangue de cordão para um futuro transplante autólogo é controverso. Também não existe evidência de segurança ou eficácia do transplante autólogo de células tronco de sangue do cordão umbilical para neoplasias, na verdade, há provas que demonstram a presença de mutações de DNA no sangue do cordão umbilical obtido a partir de crianças que posteriormente desenvolvem leucemia. Assim, um transplante de medula autóloga de sangue pode ser contra-indicada no tratamento de uma criança que desenvolve leucemia.

É discutível se as células-tronco do cordão umbilical, armazenadas ao nascimento, seriam úteis para uma criança precisando de um transplante por leucemia mais tarde na vida. Até o momento, o uso de células-tronco próprias de um paciente em transplantes para leucemia (transplante autólogo) não se comprovou melhor que a terapia convencional em estudos pediátricos.

A criança pode ser capaz de usar células-tronco de seu próprio do cordão umbilical se, no futuro, desenvolver um tumor maligno sólido como um linfoma ou sarcoma, que não se espalhou para a medula óssea. No entanto, as células-tronco podem ser coletadas do sangue periférico no momento em questão, e serem utilizadas com sucesso no transplante, ao invés de células do cordão umbilical. Assim, conservar células-tronco do cordão umbilical para este fim não se justifica.

Com base na incidência de várias doenças, pode-se estimar quais os riscos de uma criança desenvolver uma doença que possa precisar de tratamento por transplante de células-tronco. Este risco não é um em dez, como alegam algumas propagandas, mas menos que um em cada 300. Assim, para cada 200 mil bebês nascem a cada ano, cerca de 600 teriam de enfrentar o risco de desenvolver um câncer ou outra doença potencialmente fatal que poderiam, eventualmente, necessitar de tratamento por transplante de células-tronco. Dois terços destes pacientes, no entanto, seriam curados com a terapia convencional e não necessitariam de transplante. Dos restantes 200 pacientes que poderiam necessitar de um transplante, 66 por cento só se beneficiariam de um transplante alogênico, e cerca de 70 pacientes poderiam se beneficiar de um transplante autólogo. Assim, no máximo, apenas 0,04 por cento das unidades de sangue de cordão armazenadas para uso exclusivo do bebê poderão realmente ser usadas – e isso muito provavelmente está ainda sendo superestimado.

Alternativamente, se os cordões fossem armazenados para a utilização por qualquer criança que precisasse de um transplante de células-tronco, a possibilidade de que essas células sejam usadas de forma produtiva é muito maior. Pode-se fazer uma comparação com as práticas atuais de armazenamento em bancos de sangue. Se os bancos de sangue fossem para armazenar sangue apenas para o uso exclusivo do doador ou da família do doador, as transfusões de sangue conforme conhecemos e usamos, com seu enorme potencial para salvar vidas, já não estaria disponível e eficaz, com consequências obviamente catastróficas para muitos pacientes. Idealmente, se o impacto do transplante de células-tronco de cordão confirmar-se como estratégia importante, os atuais bancos de cordão públicos (não visando o lucro) seriam o local ideal para depositar as células, assim como ocorre com sangue e hemoderivados.

Atualmente, existem apenas duas indicações precisas para armazenar sangue de cordão umbilical para uso exclusivo de uma família:

  1. Se a família tem um filho que sofre de uma doença e pode ser necessário transplante de células tronco;
  2. Se ambos os pais são portadores de genes que determinam alguma doença potencialmente letal e que poderia ser tratada por transplante de células-tronco, mesmo que ainda não tenham tido um filho afetado. Nestes casos, os planos podem ser feitos com antecedência, para armazenar o sangue do cordão umbilical, e que sejam feitas a tipagem e testes pertinentes, para utilização posterior se necessário.

A divulgação e propaganda maciça sobre bancos de sangue de cordão umbilical que visam o lucro e que oferecem armazenamento exclusivo para a família, tentando convencer os pais que eles podem ajudar seus filhos, comprando um “seguro biológico” podem ser traduzidas pelas seguintes palavras: NÃO FAZ O MENOR SENTIDO.

REFERÊNCIAS

  1. Children as Hematopoietic Stem Cell Donors – Policy statement / committee on bioethics. PEDIATRICS Vol. 125 No. 2 February 1, 2010 pp. 392 -404 doi: 10.1542/peds.2009-3078)
  2. Cord Blood Banking for Potential Future Transplantation. PEDIATRICS Vol. 119 No. 1 January 1, 2007 pp. 165 -170 (doi: 10.1542/peds.2006-2901)
  3. Rocha V, Wagner JE Jr, Sobocinski KA, et al. Graft-versus-host disease in children who have received a cord-blood or bone marrow transplant from an HLA-identical sibling. Eurocord and International Bone Marrow Transplant Registry Working Committee on Alternative Donor and Stem Cell Sources. N Engl J Med.2000;342 :1846– 1854
  4. Eapen M, Rocha V, Sanz G, Scaradavou A, Zhang MJ, Arcese W, Sirvent A, Champlin RE, Chao N, Gee AP, Isola L, Laughlin MJ, Marks DI, Nabhan S, Ruggeri A, Soiffer R, Horowitz MM, Gluckman E, Wagner JE. Effect of graft source on unrelated donor haemopoietic stem-cell transplantation in adults with acute leukaemia: a retrospective analysis. Lancet Oncol. 2010 Jul;11(7):653-60.
  5. Academia Americana de Pediatria: AAP ENCOURAGES PUBLIC CORD BLOOD BANKING (2/01/2007). http://www.aap.org
  6. Sergio Duarte; Seizo Miyadahira; Marcelo Zugaib. EDITORIAL – Armazenamento de sangue de cordão umbilical e placenta: público, privado ou ambos? Revista da Associação Médica Brasileira. Print version ISSN 0104-4230. Rev. Assoc. Med. Bras. vol.55 no.1 São Paulo 2009. doi: 10.1590/S0104-42302009000100002
  7. Sergio Querol, Pablo Rubinstein, Steven G. E. Marsh, John Goldman, Jose Alejandro Madrigal. Cord blood banking: ‘providing cord blood banking for a nation’. British Journal of Haematology. Volume 147, Issue 2, pages 227–235, October 2009
  8. Johnson FL. Placental blood transplantation and autologous banking: caveat emptor. J Pediatr Hematol Oncol.1997;19 :183– 186